
GLIFOSATO: Mitos e verdades sobre um dos agrotóxicos mais usados do mundo.
Comercializado para agricultores desde 1974, o glifosato é hoje o herbicida mais comum do mundo, mas a discussão científica sobre sua segurança ainda não chegou a uma conclusão clara.
Herbicidas são agrotóxicos que matam ervas daninhas que prejudicam a monocultura produzida em uma fazenda. Até pouco tempo atrás, o glifosato era considerado um dos agrotóxicos menos problemáticos, explica o agrônomo Luiz Claudio Meirelles, pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz.
Princípio ativo de centenas de herbicidas no mercado, ele age inibindo a ação de uma enzima usada pelas plantas invasoras para realizar fotossíntese. Os animais não possuem essa enzima, então, em tese, não deveriam ser afetados pela substância. Essa suposta segurança, aliada ao desenvolvimento de soja geneticamente modificada resistente aos efeitos do glifosato, fez com que ele se espalhasse rapidamente pelo mundo e se tornasse amplamente usado.
No entanto, em 2015, a Agência Internacional para Pesquisa sobre Câncer (Iarc), parte da Organização Mundial de Saúde, concluiu com base em centenas de pesquisas que o glifosato era "provavelmente cancerígeno" para humanos.
Já a EPA (agência de proteção ambiental americana) continua a insistir que o glifosato é seguro quando usado corretamente. Na Europa, a agência ambiental alemã corroborou essa avaliação da EPA. E os últimos estudos da EFSA (Autoridade Europeia de Segurança Alimentar) e da ECHA (Agência Europeia de Produtos Químicos) foram positivos para a substância. Por causa disso, a Comissão Europeia autorizou o uso do glifosato no continente até 2022, quando voltará a fazer uma avaliação.
No Brasil, o glifosato também é permitido, mas está sob reavaliação da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) desde 2008.
Mas qual das entidades afinal está certa sobre o glifosato? Por que as instituições dão informações tão discrepantes sobre a segurança do uso? Ele causa câncer ou não?
Objetivos distintos
A diferença entre as análises existe pois as instituições usam metodologias diferentes. Elas não baseiam suas conclusões em experimentos próprios, mas sim em pesquisas científicas já publicadas sobre o assunto, explica Letícia Rodrigues, especialista em toxicologia, regulação e vigilância sanitária, e pesquisadora da Universidade Federal do Paraná.
Ela afirma que há muitos critérios diferentes para determinar quais estudos são levados em consideração para que aquela instituição chegue a uma conclusão. E há bastante diferença entre ciência acadêmica - produzida nas universidades, com as últimas descobertas - e a ciência regulatória - das agências de regulação, que segue uma série de portarias e protocolos estabelecidos em lei para avaliar os estudos.
"O Iarc e a EPA são instituições com objetivos diferentes", afirma Luiz Claudio Meirelles, da Fiocruz. "O Iarc é ligado à OMS, está preocupado com as últimas descobertas na proteção da saúde. Enquanto a EPA e as outras agências têm fins de registro e podem ter um viés econômico muito forte." A possibilidade de que pressões econômicas tenham tido influência na decisão do órgão foi levantada por ativistas nos Estados Unidos, e alguns deputados democratas chegaram a pedir que o Departamento de Justiça investigue se há relações entre funcionário do governo e indústrias de agrotóxicos.
Defensores da avaliação das agências afirmam que os resultados são diferentes porque a EPA teve um rigor maior no filtro para os estudos e pesquisas científicas analisados - selecionando apenas estudos nos quais havia peer-review (revisão feita por outros cientistas), credenciamento em boas práticas de laboratório etc. Dizem também que o Iarc (Agência Internacional para Pesquisa sobre Câncer) não detalhou os critérios usados para a análise dos estudos. Mas especialistas em agrotóxicos têm confiança na conclusão do órgão.
"A OMS tem um perfil até conservador e o Iarc é muito responsável na sua análise", diz Meirelles. "Os estudos (que apontam que o glifosato é provavelmente carcinogênico para humanos) foram feito por pesquisadores relevantes, publicados em revistas internacionais respeitadas."
"Caminho sem volta"
Segundo Luiz Claudio Meirelles, da Fiocruz, o entendimento de que o glifosato é uma substância prejudicial é um "caminho sem volta". "Se você olha como algumas substâncias foram tratadas historicamente, percebe semelhanças. O DDT (pesticida muito usado na segunda metade do século passado), por exemplo. Quando começou a se descobrir seus efeitos cancerígenos, quem tinha interesse econômico fez de tudo para negar", afirma ele.
"Mas a ciência independente foi avançando, comprovando que os malefícios eram verdadeiros, e não havia mais como negar. Hoje, o DDT é proibido mundialmente. O glifosato é o DDT de hoje, vai passar pelo mesmo processo." E, de fato, o entendimento de que o glifosato é perigoso à saúde, mesmo quando usado corretamente, está se ampliando cada vez mais.
No ano passado, a Monsanto foi condenada pela Justiça americana a pagar US$ 289 milhões (cerca de R$ 1,1 bilhão) a Dewayne Johnson, que afirma que o câncer que teve em 2014 foi causado pelo uso de um dos agrotóxicos que contêm glifosato da empresa. A Monsanto nega que a substância cause câncer e afirma que vai recorrer da decisão.
O processo foi o primeiro alegando que agrotóxicos com glifosato causam câncer a ir a julgamento e gera precedente para centenas de processos parecidos na justiça americana. Na França, o presidente Emmanuel Macron havia prometido acabar com o uso do glifosato até 2021, mas voltou atrás em janeiro deste ano após protestos de fazendeiros e agricultores. "Não é mais viável, vai matar nossa agricultura", disse Macron.
O argumento usado pelos agricultores franceses e por outras pessoas contrárias ao banimento da substância é que os agrotóxicos substitutos podem ser piores e menos estudados. Mas, para especialistas como Meirelles, essa é uma forma muito simplista de pensar. "O controle de pragas nem sempre precisa ser feito com substâncias químicas agressivas", diz ele.
"Há várias formas de resolver esse problema. Você tem inimigos naturais, permacultura, uma série de soluções. Hoje a gente usa muito pouco a tecnologia para tentar reduzir o consumo de agrotóxicos. É preciso substituir tecnologias prejudiciais por tecnologias mais avançadas, menos nocivas".
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